Essa semana eu conversava com uma amiga e ela me fez a seguinte pergunta: algum dia voc\u00ea j\u00e1 se arrependeu por ter tido filhos? Ela n\u00e3o os tem, pelo menos n\u00e3o ainda. Eu respondi de pronto que n\u00e3o, mas depois fiquei pensando e, recuperando minha mem\u00f3ria, cheguei \u00e0 triste constata\u00e7\u00e3o de que sim.<\/p>\n\n\n\n

Foi numa \u00e9poca bem dif\u00edcil da minha vida, durante uma apresenta\u00e7\u00e3o de um deles na escola. Ele passava por dificuldades espec\u00edficas e n\u00e3o quis subir ao palco pra cantar uma m\u00fasica com os coleguinhas, coisa assim. Eu sentia ali a afli\u00e7\u00e3o e o desapontamento do pequeno consigo mesmo, e sofri junto. Chorava um choro do\u00eddo, escondida pra ele n\u00e3o pensar que me decepcionava, porque n\u00e3o me decepcionava. Eu era rec\u00e9m-chegada na escola e recebi o consolo de outras m\u00e3es, que carinhosamente vinham me acalmar dizendo que n\u00e3o era t\u00e3o importante que ele se apresentasse. Claro que n\u00e3o era. Comemoro cada pequena vit\u00f3ria deles e respeito os limites de cada um. Ent\u00e3o, se ele vencesse seus medos e subisse, eu ficaria feliz por v\u00ea-lo enfrentando essa barreira. Se ele n\u00e3o fosse, eu o acolheria com o mesmo amor e o mesmo orgulho pela pessoinha sensacional que ele \u00e9.<\/p>\n\n\n\n

O problema \u00e9 que eu sentia uma tristeza profunda com tudo o que andava acontecendo \u00e0 minha volta, h\u00e1 tempos. Chorava porque minha vida andava uma bagun\u00e7a, me sentia verdadeiramente exausta e n\u00e3o via esperan\u00e7a em dias melhores. Naquele momento, a \u00fanica vontade que tive foi a de pedir desculpas: \u201cse eu soubesse que a vida \u00e9 isso, filhote, n\u00e3o teria trazido voc\u00ea pra c\u00e1. Est\u00e1 dif\u00edcil para todos n\u00f3s. Eu aqui, desse tamanh\u00e3o, n\u00e3o estou conseguindo dar conta das coisas e voc\u00ea a\u00ed, t\u00e3o pequenininho, j\u00e1 enfrenta seus desafios tamb\u00e9m.\u201d A ideia de que eles s\u00f3 iriam aumentar me arrasava n\u00e3o s\u00f3 porque me faltavam for\u00e7as, mas porque, naquela \u00e9poca, pasme, eu ainda n\u00e3o tinha percebido que, quando crescem os desafios, a gente cresce junto tamb\u00e9m. Naquele dia, eu me lamentava ao pensar nos meus dois filhos e na fria em que os tinha colocado. E, confesso, desejei \u2013 por eles \u2013 n\u00e3o t\u00ea-los tido.<\/p>\n\n\n\n

Hoje d\u00e1 vergonha reconhecer isso. Porque eu estava cega. Cega para mim, cega para o mundo, cega para a vida. Mas me deu vontade de escrever sobre esse assunto porque, passados alguns anos desse epis\u00f3dio, percebo como valeu a pena continuar. E continua valendo. Naquele dia, enxuguei minhas l\u00e1grimas, fiz cara de paisagem e o reconfortei com um abra\u00e7o quando a apresenta\u00e7\u00e3o acabou. Segui tocando a vida da melhor forma que eu podia, tomando algumas decis\u00f5es acertadas e outras nem tanto. Mas segui.<\/p>\n\n\n

Agora constato que, depois daquele momento, j\u00e1 vivemos tantos outros\u2026 j\u00e1 vivemos novos perrengues \u2013 dos mais bobos aos mais graves \u2013 e, devagarinho, vamos ultrapassando um por um. <\/span><\/p>\n\n\n

J\u00e1 tivemos enormes, imensas alegrias. Vieram surpresas e realizamos sonhos. Passamos desgostos, apertos, contrariedades. E rimos juntos, rimos muito, tamb\u00e9m.<\/p>\n\n\n\n

Dessa constata\u00e7\u00e3o vem a sensa\u00e7\u00e3o que hoje me inunda. A de que a vida \u00e9 rica e \u00e9 longa. Longa o suficiente pra percebermos que tudo passa e nossa tarefa, por aqui, tem a ver com aceitar, acolher e transformar. N\u00e3o necessariamente as coisas, mas a n\u00f3s mesmos. \u00c9 verdade que ela parece se arrastar quando algum problema toma a gente. Ali do olho do furac\u00e3o, nem sempre conseguimos enxergar uma sa\u00edda. Mas perder a f\u00e9 n\u00e3o \u00e9 uma op\u00e7\u00e3o. Os dias v\u00e3o se acumular at\u00e9 que chegue uma resposta. \u00c0s vezes a coisa se resolve por si mesma, noutras demanda muito tempo e energia nossos. Depois vir\u00e3o dias melhores, em seguida piores de novo, depois melhores outra vez\u2026 e, nessa, vamos crescendo.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 isso que quero ensinar aos meus filhos. Que estar aqui \u00e9 uma d\u00e1diva, uma b\u00ean\u00e7\u00e3o que recebi e tive a honra de repassar a eles. Um presente que merece ser desembrulhado e desfrutado com esmero. Que ELES s\u00e3o o maior presente que eu j\u00e1 ganhei e que estar ao lado deles nessa caminhada \u00e9 uma oportunidade \u00edmpar que eu quero aproveitar enquanto meu cora\u00e7\u00e3o bater. E eu jamais me arrependerei de ter sido o instrumento que os trouxe ao mundo. Porque sempre, sempre valer\u00e1 a pena.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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