Sempre quis ser professora. O doutorado era um passo necess\u00e1rio e esperado. Na busca de uma escola, um colega de trabalho, a quem sou grata pelo que vou contar agora, me indicou um livro que bagun\u00e7ou minha cabe\u00e7a por completo. E n\u00e3o \u00e9 essa uma das melhores coisas que os livros fazem pela gente? Pois ent\u00e3o… eu, publicit\u00e1ria p\u00f3s-graduada em Estrat\u00e9gia e Mercadologia, especialista em comportamento do consumidor, tinha acesso a uma literatura que questionava cada v\u00edrgula do que eu tinha aprendido desde ent\u00e3o. Maria Ester de Freitas, autora desse presente, veio a ser minha professora e mantemos at\u00e9 hoje um contato carinhoso. Mas o fato \u00e9 que esse livro p\u00f4s atr\u00e1s da minha orelha uma pulga que me levou a S\u00e3o Paulo. Eu precisava entender melhor tudo aquilo e me candidatei \u00e0 linha de Estudos Organizacionais no doutorado da FGV.<\/p>\n\n\n\n

Curso preparat\u00f3rio para o teste ANPAD, noites em claro estudando para a prova, v\u00e1rias horas-bunda na frente do laptop construindo um projeto que parecesse interessante e muitas dores de barriga depois, passei em primeiro lugar na sele\u00e7\u00e3o. Com algum custo, consegui uma bolsa j\u00e1 no primeiro ano. E fui embora viver essa aventura, animada, me achando. Mas durou pouco.<\/p>\n\n\n\n

Nas primeiras disciplinas, eu simplesmente n\u00e3o sabia do que estavam falando. Me lembro das discuss\u00f5es sobre Sociologia das Organiza\u00e7\u00f5es e da dificuldade em entender os textos de par\u00e1grafos intermin\u00e1veis. Lembro o p\u00e2nico em sala, quando eu olhava para os colegas que faziam perguntas e pensava, ligeiramente desesperada: eles est\u00e3o entendendo! Mas n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel que doutores t\u00e3o competentes n\u00e3o tivessem percebido minha incompet\u00eancia na entrevista de sele\u00e7\u00e3o e tivessem errado em me deixar entrar. Vai ver eu dou conta mesmo. Tenho que dar. Vou dar.<\/p>\n\n\n\n

De aula em aula, artigo em artigo, livro em livro… aos poucos as fichas foram caindo. Mas elas me levaram \u00e0 outra crise: uma crise com o meu passado de Marketing. At\u00e9 acomodar essa literatura e vis\u00e3o cr\u00edticas ao que eu tinha aprendido foi um custo. Doeu! Pensava: do que vou dar aula agora, se n\u00e3o acredito em mais nada do que sempre ensinei? Pois n\u00e3o \u00e9 que o tempo faz milagres mesmo e acabei aproveitando essa bagagem de mercado, esse repert\u00f3rio funcionalista, para enxerg\u00e1-lo de outra forma a partir de dentro dele e ajudar outras pessoas a fazer o mesmo?<\/p>\n\n\n\n

A rela\u00e7\u00e3o com a orientadora foi uma hist\u00f3ria \u00e0 parte. No come\u00e7o, eu tinha medo dela. No meio, confesso, fiquei zangada. No fim… o que ficou foi uma enorme gratid\u00e3o pelo exemplo de professora, de orientadora, de cientista, de mulher que ela \u00e9. Que honra ter a oportunidade de aprender com ela a pesquisar. E aprender a ser forte. Hoje a gente se encontra e d\u00e1 risadas juntas. Em bancas, a ou\u00e7o com respeito e interesse. Sempre tem algo que acrescenta no que diz, e o faz com uma eleg\u00e2ncia \u00edmpar. Nos congressos, aproveito para abra\u00e7\u00e1-la e renovar a carteirinha do f\u00e3 clube. E nas mensagens de zap, at\u00e9 hoje pe\u00e7o conselhos, divido ang\u00fastias e alegrias. Admira\u00e7\u00e3o que n\u00e3o cabe no peito.<\/p>\n\n\n\n

Quanto ao resultado concreto do curso, muitos colegas dizem que n\u00e3o conseguem ler o que escreveram h\u00e1 tempos atr\u00e1s. Que acham um monte de defeitos e coisa assim. Pois eu n\u00e3o: por mais pretensioso que possa parecer, eu amo a minha tese. Com tudo o que ela tem de bom e de nem tanto. Acredito at\u00e9 hoje que ela traz reflex\u00f5es importantes e fico feliz quando percebo que algumas j\u00e1 n\u00e3o se aplicam ao que vivemos hoje \u2013 at\u00e9 porque o que tentei mostrar era preocupante, ent\u00e3o \u00e9 \u00f3timo que esteja mudando. Levo com orgulho essa constru\u00e7\u00e3o, consciente que ela foi um passo para eu, e o conhecimento sobre o tema \u201csucesso\u201d, irmos adiante.<\/p>\n\n\n\n

O suporte que tive nesse caminho tamb\u00e9m n\u00e3o pode ficar de fora dessa hist\u00f3ria. Dos meus pais e irm\u00e3os, marido e amigos, colegas e professores que entenderam meus momentos ruins e se alegraram comigo a cada passo que eu dei. Me ajudaram em quest\u00f5es pr\u00e1ticas, me enviaram as melhores energias. Conciliar esse curso com o trabalho na PUC, meu casamento e minhas inseguran\u00e7as \u2013 te\u00f3ricas ou n\u00e3o \u2013 foi um desafio que eu n\u00e3o teria conseguido sozinha. Considero um verdadeiro privil\u00e9gio ter essas pessoas ao meu lado e ter nascido num meio que me proporcionou tantas oportunidades. Tentei aproveitar da melhor forma cada uma delas, mas a consci\u00eancia disso s\u00f3 me faz ter uma no\u00e7\u00e3o ainda maior da responsabilidade que trago comigo, sobretudo para com as pessoas que n\u00e3o t\u00eam a mesma sorte.<\/p>\n\n\n\n

A defesa foi uma festa. H\u00e1 quem n\u00e3o convide ningu\u00e9m, por medo do vexame. J\u00e1 eu usei a estrat\u00e9gia oposta: vamos encher essa sala de gente querida e fazer press\u00e3o. Como se a banca ligasse pra isso… Quatro horas de argui\u00e7\u00e3o depois, eu estava l\u00e1 de p\u00e9. Ouvindo aquela ata que habitou meus sonhos por anos. Escutar meu nome e o resultado da avalia\u00e7\u00e3o foi melhor que ouvir minhas m\u00fasicas preferidas, na pista de dan\u00e7a, tomando Smirnoff Ice. <\/p>\n\n\n

O t\u00edtulo. Os aplausos. Os abra\u00e7os. Os sorrisos. E a sensa\u00e7\u00e3o aqui dentro de dever cumprido, de ter conseguido. De ter vencido meus fantasmas, ter crescido. Ter aprendido um monte e constru\u00eddo um trabalho relevante. Ter correspondido \u00e0s expectativas. \u00c0s minhas expectativas.<\/span><\/p>\n\n\n

Esses quatro anos me abasteceram academicamente, n\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas. Embora tenha claro pra mim que estudar \u00e9 tarefa pra sempre, e aprender \u00e9 um desafio sem fim, o que li e vivi nesse per\u00edodo me nutriu para muitos e muitos anos de sala de aula e pesquisas. Vi e comprovei o que o conhecimento pode fazer pela sociedade, pelo Pa\u00eds. E por n\u00f3s, que fazemos ci\u00eancia. Mais do que teoria, aprendi tamb\u00e9m a confiar em mim. Percebi que eu dou conta de coisas que, pensava, n\u00e3o daria. E que o esfor\u00e7o na dire\u00e7\u00e3o do que a gente sonha vale a pena.<\/p>\n\n\n\n

Na data da defesa, enquanto esper\u00e1vamos o v\u00f4o de volta em CGH, me lembro da minha m\u00e3e me acolher, preocupada, olhando para a minha barriga de cinco meses onde o Theo se regozijava com a m\u00e3e doutora: filha, chega aqui, o dia foi tenso e voc\u00ea deve estar cansada. Ao que s\u00f3 consegui responder que jogaria uma partida de futebol naquele momento, se assim pudesse. Porque ir atr\u00e1s do que a gente acredita cansa, mas, muito mais que isso, d\u00e1 g\u00e1s, d\u00e1 for\u00e7a e d\u00e1 energia. Sentir que estamos fazendo algo que pode ajudar outras pessoas tamb\u00e9m.<\/p>\n\n\n\n

Ent\u00e3o esse foi dos aprendizados mais preciosos que o doutorado me deixou. Para al\u00e9m da aprova\u00e7\u00e3o com distin\u00e7\u00e3o que obtive, num dos dias mais felizes da minha vida, aprender a acreditar e seguir meu caminho me trouxe uma sensa\u00e7\u00e3o que, se eu for nominar aqui, n\u00e3o vai chegar nem perto do que sinto at\u00e9 hoje, dez anos depois, quando penso nisso tudo.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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