Faz mais ou menos meio ano que desmamei completamente meu filho. E no entanto, parece que faz muito mais tempo. Na \u00e9poca ele tinha um ano e nove meses e eu estava muito cansada. Cansada de maternar dando o peito. E essa foi a raz\u00e3o pela qual aconteceu o meu desmame<\/i>.<\/p>\n

A amamenta\u00e7\u00e3o foi um processo intenso e vivido de v\u00e1rias formas diferentes ao longo do tempo. No come\u00e7o, antes mesmo do meu beb\u00ea nascer, eu j\u00e1 nutria uma convic\u00e7\u00e3o muito forte de que queria amamentar e ter um parto natural. E assim se fez, s\u00f3 que muito mais do que parto, a amamenta\u00e7\u00e3o logo se mostrou um desafio consider\u00e1vel. N\u00e3o era nada f\u00e1cil como parecia. Primeiro as dores das feridas nas mamas e das costas e bra\u00e7os, depois a quest\u00e3o da \u201cpega\u201d e a incerteza quanto ao beb\u00ea estar sendo nutrido adequadamente. Fora as jornadas inteiras, diurnas e noturnas, com m\u00ednimos intervalos para as necessidades mais b\u00e1sicas. Ent\u00e3o, a primeira coisa que descobri \u00e9 que amamentar \u00e9 tudo<\/i> isso. \u00c9 um pacote inteiro, fechado, que voc\u00ea aceita ou n\u00e3o. E na \u00e9poca eu n\u00e3o achava que podia recusar, n\u00e3o fazia sentido pra mim n\u00e3o amamentar.<\/p>\n

Os dilemas iniciais quanto \u00e0 pega e as feridas resolveram-se ao longo das primeiras tr\u00eas ou quatro semanas, com muito apoio, esfor\u00e7o e paci\u00eancia. Mas a consolida\u00e7\u00e3o do processo s\u00f3 aconteceu depois de uns tr\u00eas meses investindo em estrat\u00e9gias variadas a fim de manter o aleitamento exclusivo – quando eu<\/i> finalmente acreditei <\/i>que meu leite podia alimentar satisfatoriamente meu beb\u00ea.<\/p>\n

Entramos ent\u00e3o numa fase tranquila onde o mam\u00e1 era alimento e aconchego e na qual desfrutamos dos benef\u00edcios todos que podem existir nesse processo.<\/p>\n

N\u00e3o lembro exatamente quando a coisa deixou de ser prazerosa. Houve um tempo em que eu s\u00f3 conseguia acumular cansa\u00e7o sem ter a menor ideia de como aliviar a minha barra. Mais um daqueles aprendizados ferozes da maternidade.<\/p>\n

Acho que por volta de um ano eu j\u00e1 sentia vontade de reduzir as mamadas e abandonar a livre demanda. Eu consegui efetivamente fazer algo \u00e0 respeito por volta de um ano e meio quando decidi fazer o desmame noturno, coisa que pra n\u00f3s todos foi um b\u00e1lsamo. Ao ser desmamado, meu filho passou a dormir a noite inteira, assim simplesmente. Em seguida passou a dormir em seu pr\u00f3prio quarto, o que tamb\u00e9m aconteceu muito tranquilamente. Acho que a repercuss\u00e3o ultra positiva do desmame noturno me encorajou a reduzir ainda mais as mamadas diurnas, na tentativa de desvincular mam\u00e1 e sono e assim abrir espa\u00e7o para outras pessoas me ajudarem nesse ponto. E esse foi outro processo que aconteceu rapidamente e sem sustos. Logo restou apenas a mamada da manh\u00e3 e um belo dia, todos de f\u00e9rias, depois de muitos choror\u00f4s matinais, encerramos de vez a amamenta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

E assim foi. Um al\u00edvio. Acho que posso descrever assim o desmame. Mas foi tamb\u00e9m um empoderamento, pois enfim recuperei a posse do meu pr\u00f3prio corpo. E olha que isso n\u00e3o \u00e9 pouco. Especialmente depois que voc\u00ea se torna m\u00e3e. Porque pra mim o desmame foi um n\u00e3o <\/i>\u00e0 \u201ccartilha da m\u00e3e perfeita\u201d – aquela que preconiza a amamenta\u00e7\u00e3o at\u00e9 os dois anos pelo menos – e um sim<\/i> pra mim. Eu precisava disso. Desesperadamente. Isso eu s\u00f3 soube depois. Bem depois ali\u00e1s. H\u00e1 pouco tempo, na verdade. E embora eu tenha amamentado longamente, bem mais do que a m\u00e9dia, ainda sim eu precisei vencer essa barreira para fazer valer o meu querer.<\/p>\n

Resolvi ler mais um livro daqueles feministas que adoro e me dei conta do quanto eu me aprisionei num ideal de maternidade<\/i>, um modelo que em muitos momentos n\u00e3o fez sentido algum pra mim, mas que eu me esforcei bravamente para manter simplesmente porque achava que era o que tinha que ser feito. N\u00e3o entendia como deveria me<\/i> colocar em primeiro lugar. N\u00e3o achava poss\u00edvel desejar parto natural e amamentar e n\u00e3o fazer isso me doando em g\u00eanero, n\u00famero e grau. Confundi em muitos momentos \u201ca bandeira da amamenta\u00e7\u00e3o\u201d com a necessidade de \u201csalvar uma m\u00e3e\u201d ou uma mulher que n\u00e3o conseguia ou n\u00e3o queria amamentar ou mesmo aquela que queria desmamar.<\/p>\n

Acho que com o tempo e com muitas l\u00e1grimas desconstru\u00ed parte do ideal a ponto de compreender que todas as escolhas s\u00e3o poss\u00edveis e t\u00eam valor dentro da maternidade. Tem a ver com honestidade. Honestidade consigo pr\u00f3pria. E \u00e9 t\u00e3o dif\u00edcil conseguir isso! Pelo menos pra mim tem sido.<\/p>\n

Quanto ao meu filho, ele ainda n\u00e3o desmamou<\/i>. O peito ele largou sem maiores dramas. Mas a mam\u00e3e<\/i> segue sendo o ponto de refer\u00eancia da sua exist\u00eancia. E embora eu saiba que isso n\u00e3o vai durar para sempre, eu me permito desfrutar desse privil\u00e9gio que nem sempre s\u00e3o flores.<\/p>\n

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