Feminismo \u00e9 um assunto que est\u00e1 na pauta do dia. Ele ficou adormecido durante algum tempo, mas vem renascendo, acompanhado de v\u00e1rias manifesta\u00e7\u00f5es de outros grupos sociais. Eu acredito que exista uma conjuntura de fatores que levaram a eclos\u00e3o desse debate, a maior rapidez com que as not\u00edcias chegam at\u00e9 n\u00f3s e a diversifica\u00e7\u00e3o das fontes de informa\u00e7\u00e3o fez com que as pessoas pensassem seu papel na sociedade. Nesse contexto, as mulheres voltaram a questionar se suas posturas s\u00e3o feministas ou n\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n

Na d\u00e9cada de 60, a luta feminista ganhou as ruas, mulheres pleiteavam a liberdade sobre seus direitos sexuais e a igualdade no ambiente de trabalho. Por\u00e9m, esse movimento – que iniciou no \u00e2mbito acad\u00eamico, mas que extravasou os seus muros – foi, paulatinamente, visto pelo resto da sociedade como uma luta sem sentido. Com o passar dos tempos, declarar-se feminista e abordar o seu objeto passaram a ser vistos como atitudes mal-humoradas, feitas por mulheres solit\u00e1rias e rabugentas. As feministas eram retratadas como raivosas, feias, solit\u00e1rias e o assunto foi varrido para baixo do tapete. Nesse ponto, \u00e9 importante pensarmos a respeito da influ\u00eancia da m\u00eddia sobre a cria\u00e7\u00e3o desses estere\u00f3tipos. Qual era a mulher tida como ideal e retratada em programas de televis\u00e3o? <\/p>\n\n\n\n

Assim, a quest\u00e3o ficou esquecida nos anos 80. Por mais que na academia tenham surgido v\u00e1rios nomes importantes para o movimento, como Angela Davis e L\u00e9lia Gonzalez, respons\u00e1veis por refinar o pensamento e apontar a interseccionalidade entre a luta feminista e v\u00e1rios outros grupos vulnerabilizados, para o grande p\u00fablico era brega falar disso. A mulher dos anos 90 sentiu na pele o peso disso, pois al\u00e9m de trabalhar na rua, cuidar dos filhos e dos afazeres dom\u00e9sticos, precisava lidar com toda a press\u00e3o que a sociedade impunha sobre sua conduta e sua apar\u00eancia. Talvez as coisas sempre tenham sido assim para as mulheres, por\u00e9m a diferen\u00e7a era que, mesmo adormecida, a sementinha do debate estava l\u00e1, ela j\u00e1 sabia que a vida poderia ser diferente, mas n\u00e3o encontrava for\u00e7as para mudar sozinha; al\u00e9m disso, era desestimulada a contrariar a ordem padr\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n

Nesse contexto, surgiu o conceito de p\u00f3s-feminismo, pensamento que defende que a igualdade j\u00e1 foi alcan\u00e7ada e, portanto, n\u00e3o haveria raz\u00e3o para que o movimento continuasse a existir. Por\u00e9m a realidade de viol\u00eancia e de diferentes condi\u00e7\u00f5es de trabalho vivenciadas pelas mulheres comprovam a sua fal\u00e1cia. Nesse embalo, o feminismo voltou para a ordem do dia, ganhando espa\u00e7o nos meios de comunica\u00e7\u00e3o, mas com uma nova roupagem. <\/p>\n\n\n\n

A partir dos anos 2000, cantoras, atrizes e celebridades de forma geral passaram a se intitular feministas e a associar o movimento ao sucesso profissional. Ocorre que esse sucesso era individualizado e, muitas vezes, completamente relacionado \u00e0 apar\u00eancia da mulher. Houve uma coopta\u00e7\u00e3o das pautas feministas pela grande m\u00eddia, por\u00e9m para que esse “novo produto” fosse rent\u00e1vel, foi necess\u00e1rio simplificar o seu real significado. Vivemos a era da informa\u00e7\u00e3o passada em 140 caracteres, n\u00e3o h\u00e1 espa\u00e7o para aprofundamentos doutrin\u00e1rios. Por mais que isso tenha um aspecto negativo, \u00e9 ineg\u00e1vel que a volta da populariza\u00e7\u00e3o do discurso \u00e9 muito importante e saud\u00e1vel. Se hoje em dia cantoras pop levantam bandeiras feministas \u00e9 porque elas sabem que h\u00e1 espa\u00e7o para isso, que essa mensagem vai ser aceita pelo seu p\u00fablico. Assim, mesmo que a ideia passada, muitas vezes, incorra em um reducionismo exacerbado (que individualiza a luta e passa a ideia de que \u00e9 necess\u00e1rio “ganhar da concorr\u00eancia” para que haja empoderamento), esse discurso atinge pessoas que jamais se interessariam ou teriam acesso a debates acad\u00eamicos. <\/p>\n\n\n\n

\u00c9 interessante pensar que essa vers\u00e3o simplificada do feminismo ao mesmo tempo em que \u00e9 respons\u00e1vel por reacender a chama do movimento, pode ser a causa do seu decl\u00ednio.<\/p>\n\n\n\n

O feminismo \u00e9 um movimento que nasceu plural, o fato dele n\u00e3o ter uma voz \u00fanica \u00e9 uma das suas principais caracter\u00edsticas e, provavelmente por isso, ele ressurgiu v\u00e1rias vezes desde o seu nascimento, sempre com pautas diferentes.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Nesse sentido, a diversidade talvez seja a sua principal engrenagem. Eu poderia escrever v\u00e1rias linhas sobre as suas diferentes abordagens, sobre o quanto o movimento liberal feminista se contrap\u00f5e a outras vertentes (e provavelmente o farei, em outro momento). Por\u00e9m, agora eu me proponho a refletir sobre as mudan\u00e7as que se considerar feminista pode gerar na vida das mulheres, mas em um aspecto mais \u00edntimo. <\/p>\n\n\n\n

Na minha opini\u00e3o \u00e9 primoroso que as pessoas voltem a achar que \u00e9 legal ser feminista, a imagem da cantora linda e bem sucedida \u00e9 muito mais simp\u00e1tica do que o estere\u00f3tipo que at\u00e9 h\u00e1 pouco tempo era vendido. Por\u00e9m, mais do que tatuarmos o s\u00edmbolo do feminismo nos nossos corpos, n\u00e3o seria necess\u00e1rio antes tatuar seus preceitos em nossas almas? <\/p>\n\n\n\n

Afinal, por mais distantes que as diferentes faces do feminismo possam parecer, todas partes de um ponto em comum: a igualdade entre homens e mulheres. Claro que o conceito de igualdade \u00e9 dotado de bastante subjetivismo, o que acalora o debate sobre o seu real significado. Por\u00e9m, uma coisa \u00e9 certa, ser feminista exige uma mudan\u00e7a no olhar sobre os pap\u00e9is assumidos por homens e mulheres. Fica o questionamento: at\u00e9 que ponto o feminismo abre o meu cora\u00e7\u00e3o para sentir empatia e compaix\u00e3o por outras mulheres? O patriarcado \u00e9 respons\u00e1vel por imprimir essa necessidade de competi\u00e7\u00e3o e compara\u00e7\u00e3o, pois ele sabe que – para que um movimento perca a for\u00e7a – \u00e9 necess\u00e1rio que os seus componentes n\u00e3o estejam unidos. Sendo assim, de que adianta eu me considerar feminista se n\u00e3o consigo ter um olhar compassivo por outras mulheres?\u00a0<\/p>\n\n\n\n

Esses dias me deparei com not\u00edcias de que as participantes do Big Brother Brasil 2021 que antes levantavam bandeiras feministas estavam adotando posturas agressivas e combativas com outras mulheres dentro da casa. Na minha opini\u00e3o, essa \u00e9 a imagem das falhas que esse movimento feminista que atualmente \u00e9 vendido possui. O feminismo da lacra\u00e7\u00e3o, que faz a mulher achar que precisa ser linda, ganhar dinheiro com isso, ser a melhor de todas e “dar na cara de toda a concorr\u00eancia” \u00e9 apenas mais uma armadilha do patriarcado. Ele serve para vender, mas apenas retrata de uma nova forma a mulher feminista como raivosa e solit\u00e1ria. Por mais que o estere\u00f3tipo atual da feminista seja uma mulher bonita e bem-sucedida, usar a apar\u00eancia como meio de posicionamento social n\u00e3o \u00e9 o que as mulheres s\u00e3o incentivadas a fazer desde sempre? O ponto aqui n\u00e3o \u00e9 a beleza, ela pode sim ser apreciada, em todas  as suas formas, mas sim como ela \u00e9 encarada e usada. A c\u00e9lebre frase de Simone de Beauvoir: “O opressor n\u00e3o seria t\u00e3o forte se n\u00e3o tivesse c\u00famplices entre os pr\u00f3prios oprimidos”, parece ganhar uma import\u00e2ncia especial nesse momento. <\/p>\n\n\n\n

O feminismo para dar certo precisa da uni\u00e3o das mulheres  e isso parte, na minha opini\u00e3o, de treinarmos o nosso olhar para torn\u00e1-lo mais compassivo, eu n\u00e3o preciso gostar de todas as mulheres, mas eu devo entender que existe algo que me conecta a maioria delas, que pode ser o fato de menstruar (ou ter menstruado em algum momento da vida) ou, ainda, o medo que a maioria sente ao passar por um local fechado \u00e0 noite e perceber que existe um desconhecido que est\u00e1 se aproximando. <\/p>\n\n\n\n

As mulheres s\u00e3o muito diferentes e, at\u00e9 por isso, o movimento feminista possui tantas vertentes. Por\u00e9m, encara-lo apenas como uma a\u00e7\u00e3o solit\u00e1ria de empoderamento \u00e9 uma redu\u00e7\u00e3o que faz com que a pr\u00f3pria ess\u00eancia do movimento se perca. <\/strong><\/p>\n\n\n\n

A mulher feminista n\u00e3o \u00e9 apenas aquela que sai na rua com seu laptop na mochila e compra toda a sua comida pronta (por sinal, eu acredito que cozinhar a comida para si e para aqueles que amamos pode ser um ato de pura subvers\u00e3o ao sistema), mas \u00e9 tamb\u00e9m a dona de casa que cria seus filhos de maneira igualit\u00e1ria.<\/p>\n\n\n\n

Ser feminista me permite ser livre, mas a minha liberdade nunca ser\u00e1 completa se outras mulheres n\u00e3o puderem usufruir dela tamb\u00e9m.<\/strong> <\/p>\n\n\n\n

O que eu entendo por liberdade pode ser muito diferente do que aquilo que a minha vizinha entende, por\u00e9m \u00e9 imprescind\u00edvel que essa concep\u00e7\u00e3o parta de dentro da gente, n\u00e3o seja uma concep\u00e7\u00e3o imposta pelo mesmo sistema de sempre, sen\u00e3o ser\u00e1 apenas uma nova forma de opress\u00e3o. O patriarcado sempre d\u00e1 um jeito de se reinventar e, se ele n\u00e3o fosse bom nisso, n\u00e3o se manteria no poder por tanto tempo. <\/p>\n\n\n\n

O meu plano de revolu\u00e7\u00e3o dos costumes \u00e9 extremamente tumultuoso e insubmisso, pois parte da premissa de treinar o meu olhar e educar a minha alma para sentir amor, gratid\u00e3o e compaix\u00e3o por outras mulheres. Algu\u00e9m consegue imaginar um movimento que v\u00e1 mais na contram\u00e3o do sistema do que esse?<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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